domingo, 10 de maio de 2009


Subi ao alto, à minha Torre esguia,
Feita de fumo, névoas e luar,
E pus-me, comovida, a conversar
Com os poetas mortos, todo o dia.

Contei-lhes os meus sonhos, a alegria
Dos versos que são meus, de meu sonhar,
E todos os poetas, a chorar,
Responderam-me então: “Que fantasia,

Criança doida e crente! Nós também
Tivemos ilusões, como ninguém,
E tudo nos fugiu, tudo morreu!…”

Calaram-se os poetas, tristemente…
E é desde então que eu choro amargamente
Na minha torre esguia junto ao céu!...


Torre de Névoa, Florbela Espanca

A morte chega cedo,
Pois breve é toda a vida
O instante é o arremedo
De uma coisa perdida.

O amor foi começado,
O ideal não acabou,
E quem tenha alcançado
Não sabe o que alcançou.

E tudo isto a morte
Risca por não estar certo
No caderno da sorte
Que Deus deixou aberto.

Cancioneiro, Fernando Pessoa

domingo, 3 de maio de 2009


Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nos queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.

Segue o teu destino, Ricardo Reis / Fernando Pessoa