sábado, 18 de abril de 2009


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A pé e alegremente tomo a estrada larga,
São, livre, com o mundo por diante,
O longo caminho diante de mim levando-me aonde quiser.

Não peço boa sorte, eu próprio sou a sorte,
Não há mais lamentos, mais demoras, não preciso de nada,
Basta de queixas entre paredes, bibliotecas, polémicas,
Forte e contente como a estrada larga.


Canto da Estrada Larga (exc.), Walt Whitman (trad. José Agostinho Baptista)


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Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada.
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.

A espantosa realidade das coisas (exc.), Alberto Caeiro / Fernando Pessoa.

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Senhor, quando Vós morrestes, o pano fendeu-se,
O que estava por detrás, ninguém o disse.

Na noite a rua é como se fosse uma ferida,
Cheia de ouro e sangue, de fogo e lixo.

Os que Vós expulsastes do templo a chicote,
Agridem os transeuntes com um punhado de patifarias.

A estrela que desapareceu então do Tabernáculo,
Arde pelas paredes na luz crua dos espectáculos.

Senhor, o Banco iluminado é como um cofre forte,
Onde foi coagulado o Sangue da vossa morte.

Páscoa em Nova Iorque (exc.), Blaise Cendrars (trad. Liberto Cruz)

domingo, 12 de abril de 2009



Vaga lenda facetada
A imprevisto e miragens –
Um grande livro de imagens,
Uma toalha bordada…

Um baile russo a mil cores,
Um Domingo de Paris –
Cofre de Imperatriz
Roubado por malfeitores…

Antiga quinta deserta
Em que os donos faleceram –
Porta de cristal aberta
Sobre sonhos que esqueceram…

Sete canções de declínio, Mário de Sá Carneiro


Senhora, partem tam tristes
Tam doentes da partida,
Tam cansados, tam chorosos,
Da morte mais desejosos
Cem mil vezes que da vida.
Partem tam tristes os tristes,
Tam fora d’ esperar bem,
Que nunca tam tristes vistes
Outros nenhuns por ninguém.

Cantiga, Partindo-se; João Roiz de Castelo Branco
Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me vêem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predilecta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer coisa natural –
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.
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Alberto Caeiro / Fernando Pessoa